Diabo-da-tasmânia

O diabo-da-tasmânia ou demônio-da-tasmânia (nome científico: Sarcophilus harrisii, do grego, sarx, carne + philos, amigo; e harrisii, em homenagem a George Harris) é um mamífero marsupial da família Dasyuridae endêmico da ilha da Tasmânia, Austrália. Através do registro fóssil sabe-se que a espécie habitou também a Austrália continental, tendo se extinguido há cerca de três mil anos. As causas do desaparecimento são desconhecidas, mas acredita-se que tenha sido influenciado pela introdução do dingo, pela chegada e expansão dos aborígenes e por influência climática do El Niño durante o Holoceno.

Com uma aparência de urso, que lhe rendeu a descrição científica de Didelphis ursina, é um animal robusto e musculoso. Sua pelagem é escura com manchas brancas na região da garganta, das bochechas e lombar. Os dentes molares são adaptados à sua dieta de carniça. É um caçador pouco eficiente, preferindo animais de pequeno porte. Pode ser encontrado em vários tipos de habitat, incluindo áreas urbanas, mas prefere bosques costeiros e florestas esclerófitas. Noturno e solitário, habita uma área de vida definida, mas não tem tendências territoriais. Ocasionalmente, vários animais se reúnem para se alimentar de uma carcaça, gerando interações agressivas. Promíscuos, acasalam-se uma vez ao ano, gerando ninhadas de dois a quatro filhotes, que são desmamados aos oito meses de idade. É o maior marsupial carnívoro existente, após a extinção do tilacino, e possui convergência ecomorfológica com as hienas.

Inicialmente, o animal foi visto pelos colonizadores europeus como uma ameaça aos rebanhos domésticos, sendo então caçado e envenenado, com significativa redução populacional. Em 1941, a espécie foi oficialmente protegida e os números começaram a aumentar. No final da década de 1990, uma doença neoplásica reduziu drasticamente a população e agora ameaça a sobrevivência da espécie, que em maio de 2009 foi declarada em perigo de extinção. Programas de manejo estão sendo conduzidos pelo governo da Tasmânia para reduzir o impacto da doença, incluindo uma iniciativa para formar um grupo de diabos saudáveis ​​em cativeiro, isolados da doença. O animal é o símbolo da Tasmânia e de muitas organizações, grupos e produtos associados ao estado. Ficou popularmente conhecido através do personagem Taz dos desenhos animados Looney Tunes. Devido a restrições de exportação e do fracasso reprodutivo dos demônios no exterior, quase não há indivíduos fora da Austrália.

O naturalista George Harris fez a primeira descrição do diabo-da-tasmânia em 1808, nomeando-o Didelphis ursina, por lembrar a aparência de um urso, devido às orelhas arredondadas. Em 1810, Étienne Geoffroy Saint-Hilaire recombinou o nome científico para Dasyurus ursinus alegando uma maior relação entre o diabo e as espécies do gênero Dasyurus. Frédéric Cuvier, em 1837, descreveu o gênero Sarcophilus para o ursinus, alegando que a espécie era mais próxima ao Thylacinus que ao Dasyurus, porém com características distintivas o suficiente para garantir a descrição de um novo gênero. Em 1838, Richard Owen descreveu uma espécie fóssil, Dasyurus laniarius, com base em espécimes do Pleistoceno coletados na caverna Wellington, em Nova Gales do Sul.

Como o nome proposto por Harris, já estava pré-ocupado pelo Didelphis ursina descrito por George Shaw em 1800, ele foi substituído para Ursinus harrisii por Pierre Boitard em 1841. Em 1903, Oldfield Thomas, sem ter conhecimento da substituição feita por Boitard, renomeou o Didelphis ursina de Harris para Sarcophilus satanicus, mas em 1913, reconhecendo que o harrisii antecede sua nomeação, recombina o Ursinus harrisii para Sarcophilus harrisii, estabelecendo a combinação válida para a espécie.

Werdelin, em uma revisão taxonômica publicada em 1987, determinou que as espécies do Pleistoceno e as do Recente não possuíam características distintas marcantes e deviam ser consideradas como uma única espécie, cujo nome seria Sarcophilus laniarius (1838), que possuía prioridade sobre Sarcophilus harrisii (1841). O trabalho de Werdelin não foi muito aceito pela comunidade científica, e ambos os nomes foram usados para o diabo-da-tasmânia no decorrer dos anos. Colin Groves, na segunda edição do “Mammals Species of the World” de 1993, utilizou o nome Sarcophilus laniarius para a espécie, entretanto, na terceira revisão de 2005, tornou a usar Sarcophilus harrisii, deixando o nome S. laniarius para a espécie fóssil, que deveria ser retida como uma espécie distinta já que as medidas da espécie fóssil e atual não coincidem em muitas variáveis.

O diabo-da-tasmânia é uma espécie politípica, possuindo duas subespécies reconhecidas: S. h. harrisii, da Tasmânia, e S. h. dixonae, um táxon extinto descrito por Werdelin (1987) com base em material subfóssil encontrado em Nelson Bay, Vitória. Análises filogenéticas demonstraram que o diabo tem maior relação com as espécies do gênero Dasyurus do que com o Thylacinus, ao contrário do que postulou Frédéric Cuvier em 1837.

O diabo-da-tasmânia é endêmico da Austrália, onde pode ser encontrado apenas na ilha da Tasmânia e algumas ilhas costeiras próximas, como Robbins, Bruny e Badger. A população da Ilha Bruny sobreviveu até meados do século XIX, não havendo mais registros para a espécie após 1900.[14] A população da Ilha Badger foi ilegalmente introduzida na metade da década de 1990, sendo removida em agosto de 2007. Registros subfósseis indicam também a presença da espécie na ilha Flinders até o início do século XIX.[15]

A espécie extinguiu-se no continente australiano entre 3000 e 4000 anos a.p. Dentre os fatores que a levaram à extinção, três hipóteses são levantadas: (1) competição com os dingos por alimento, (2) pressão sofrida pela expansão dos aborígenes, e (3) mudança climática em decorrência da intensificação da Oscilação Sul-El Niño. O S. harrisii estava bem distribuído através da Austrália durante o Pleistoceno, declinando e ficando restrito a três populações remanescentes durante o Holoceno Médio, a cerca de 3 000 anos atrás.[16] Uma no norte, próxima a Darwin, Território do Norte, baseada em um único registro fóssil e na arte rupestre. Uma no sudoeste da Austrália Ocidental baseada em registros descritos por diversos autores. E uma no sudeste, baseada em registros feitos em várias localidades que vão do delta do rio Murray até as vizinhanças de Port Phillip, Vitória. Em 1972, um dente fóssil encontrado na região de Augusta, Austrália Ocidental, foi datado tendo entre 430±160 anos de idade, entretanto, essa datação radiométrica foi rejeitada em 2006, devido a incertezas quanto à origem do depósito onde foi encontrado o dente, especialmente porque os outros achados do mesmo sítio foram datados com cerca de 3000 anos.

Os diabos podem ser encontrados em todos os habitats da ilha, incluindo os arredores das áreas urbanas, mas preferencialmente habita bosques costeiros e florestas esclerófilas. O “núcleo” da distribuição, onde se concentram as maiores densidades populacionais, está localizado nas zonas com precipitação anual de baixa a moderada do leste e norte da ilha. Densas florestas úmidas de eucalipto, áreas alpinas, brejos densos e úmidos e pastagens abertas suportam apenas baixas densidades populacionais. Diabos também evitam encostas íngremes e áreas rochosas.

Características
O diabo-da-tasmânia possui uma aparência superficial de urso, exceto pela cauda. Possui porte robusto, com uma cabeça curta, larga e musculosa, focinho curto e orelhas arredondadas. As orelhas são peludas com tufos bem demarcados na base. Sua pelagem é de castanha escura a negra, exceto pela mancha branca na região da garganta e por uma ou duas manchas nas regiões lombar e lateral do corpo. Cerca de 16% dos animais apresentam melanismo, ou seja, são completamente negros, sem qualquer tipo de mancha.

Os membros dianteiros tendem a ser maiores que os traseiros. O primeiro dedo do pé está ausente, fazendo com que o diabo tenha 5 dedos nas mãos e apenas 4 nos pés. As garras não são retráteis. A cauda, não-preênsil, curta e uniformemente coberta de pelos, tem importante papel na fisiologia, no comportamento social e na locomoção. Ela funciona como um depósito de gordura, e diabos saudáveis tendem a ter caudas grossas,[25] e age como um contrapeso que ajuda a dar estabilidade quando o animal se movimenta rapidamente. Glândulas ad-anais na base da cauda são usadas na demarcação e na comunicação social pelo seu odor forte e característico.

O crânio e os dentes são maciços e resistentes. A dentição assemelha-se a dos marsupiais fósseis e aos gambás sul-americanos. Os quatro molares são bem desenvolvidos e adaptados, permitindo que o diabo triture ossos e rasgue carne, os três primeiros têm formato triangular, enquanto os dois últimos são análogos ao dente carniceiro dos carnívoros placentários. Os caninos são proeminentes e mais arredondados e os pré-molares são bem reduzidos. Machos têm caninos mais fortes que as fêmeas, provavelmente por causa da dominância sexual exercida na estação reprodutiva.

As fêmeas possuem 4 mamas e o marsúpio é completamente fechado e voltado para trás na estação reprodutiva, ao contrário da maioria das espécies da família. O tamanho varia consideravelmente com o habitat, a dieta e a idade. Os machos são geralmente maiores que as fêmeas.

Longas vibrissas se estendem na face e no topo da cabeça, e têm função sensorial na localização de presas e de outros indivíduos da espécie. A audição é o sentido dominante, mas o olfato também é apurado, alcançando distâncias de até 1 km. Devido ao hábito noturno, a visão é fortemente monocromática, conseguindo detectar objetos em movimento rapidamente, mas tendo dificuldade para visualizar objetos estacionários.

Ameaçado
A espécie foi listada como vulnerável sob o Threatened Species Protection Act 1995 da Tasmânia em 2005 e pelo Environment Protection and Biodiversity Conservation Act 1999 da Austrália em 200, entretanto, essa categoria foi retificada em 2009 para em perigo. A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que classificava o S. harrisii como pouco preocupante em 1996, reclassificou-o em 2009 como em perigo.

Historicamente, os colonizadores europeus consideraram o diabo-da-tasmânia uma praga que atacava e matava as aves domésticas e os cordeiros. Como consequência, foi intensivamente caçado por vários anos até a proteção oficial em junho de 1941, quando a população começou a se recuperar gradualmente.

Registros indicaram baixas densidades populacionais ao menos três vezes nos últimos 150 anos (nas décadas de 1850, 1900 e 1940), com recuperação levando de duas a três décadas. Sem nenhum agente causal identificado. Estimativas populacionais feitas na metade da década de 1990 indicavam entre 130 000 e 150 000 indivíduos, com aproximadamente 50% de adultos, entretanto os números são considerados superestimados. A doença tumoral já reduziu a população total em mais de 70%, incluindo toda a metade oriental da ilha onde já causou uma redução de mais de 90%. A extinção na natureza é uma possibilidade real de acontecer entre 25 a 35 anos, caso a neoplasia continue se espalhando.

A principal ameaça que atinge o diabo-da-tasmânia é a doença do tumor facial. Outras ameaças conhecidas são: atropelamento, caça ilegal, perda do habitat e competição com a raposa-vermelha. No passado pré-doença eram as principais causas de mortalidade e controle populacional da espécie

Cultura
O diabo-da-tasmânia é um ícone na Austrália, particularmente na Tasmânia, sendo o símbolo do Serviço de Parques e Vida Selvagem da Tasmânia. A espécie também apareceu em várias moedas comemorativas na Austrália no decorrer dos anos. É muito popular entre os turistas e a possibilidade de extinção pode causar danos significativos ao segmento turístico da Austrália.

Devido à sua personalidade única, o diabo tem sido objeto de numerosos documentários e livros de ficção e não-ficção para crianças. Em meados da década de 1950, a espécie inspirou os estúdios Warner Bros a criar um personagem chamado Taz que figurou nos desenhos Looney Tunes. Inicialmente o personagem apareceu entre 1954 e 1964, sendo retirado do ar, mas voltando na década de 1990, com um desenho só seu, Taz-Mania.

Tuz, um diabo-da-tasmânia com um bico de pinguim, foi o mascote da conferência linux.conf.au realizada em 2009 na cidade de Hobart, que arrecadou quarenta mil dólares australianos, doados para o programa de conservação da espécie. No mesmo ano, Linus Torvalds escolheu o mascote para ser o logo da versão 2.6.29 do núcleo da Linux em apoio aos esforços para salvar o diabo-da-tasmânia da extinção.

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